Chegou a hora
E então havia chegado a hora. Era o tal dia que sempre falaram que seria assustador e que eu achava – na minha sincera tentativa fuga de realidade – que nunca aconteceria. Ou pelo menos, simplesmente tentava por anos a fio não pensar nisso.
Só que ele chegou.
Caminhei com Luísa no colo por um longo corredor. Os gritos ecoavam como se estivesse assistindo a um filme em câmera lenta. Podia escutar meu coração a cada passo. Tinha vontade de sair dali, voltar correndo para o carro e ir embora.
Como iria ser agora? O que iria fazer? Foi uma sensação semelhante à que senti no dia que a conheci e não quis pegá-la no colo ou olhar em seus olhos. Só que agora era ao inverso: eu não queria soltar minha filha de jeito nenhum.
Já ouvi histórias sobre pais que saíram aos prantos nos primeiros dias que deixaram os filhos na creche.
Pensava que era um exagero, até que me deparei ao vivo e a cores com essa situação. Era um momento de ruptura? Seria uma mudança de 360 graus na minha vida?
Mais uma…? Quanto drama….
Enquanto de um lado, pensava que meu bebê seria bem cuidado, com profissionais qualificados e que iria se desenvolver e brincar com novos amigos, do outro eu sofria por deixá-lo com pessoas que não conhecia. Pensava em todas as mamães que carregaram os filhos por nove meses e mantém uma ligação muitas vezes mais intensa com os pequenos. De repente, aquele serzinho minúsculo e frágil chega ao mundo, requer horas e horas de atenção e carinho. Começa a dar os primeiros sorrisos, a emitir primeiros sons, a interagir um pouco mais e aí – eis que aí – chega a hora da mamãe voltar ao trabalho. Ufa.. O bebê fica com elas apenas por alguns meses até que nos deparamos com o fim da licença maternidade e o fatídico “dia da creche”.
Agora eu entendia esse sofrimento.
O fim deste ciclo era muito doloroso. Primeiramente, porque sou avesso à mudanças – mesmo que seja para algo melhor, demoro a me adaptar. Certa vez, sofri por meses a fio com nossa mudança para casa própria
E agora? como seria? Luísa foi minha “companheirinha” do dia a dia por dois anos. Tinha cinco meses de idade quando a mamãe voltou ao trabalho e aí passei a levá-la para todos os cantos.
Pautas e fraldas passaram a fazer parte do meu dia a dia. Desde então, ela era a parceira inseparável em idas ao pediatra, posto de saúde, supermercados, passeios à praia e parques, nas tardes assistindo desenhos animados no Discovery Channel, jogos da Champions League e até participando de entrevistas coletivas para meu trabalho.
Com o tempo passando, o tempo foi escasseando, a jornada com ela foi aumentando e o jornalismo se transformando quase que em um “hobby”. Minha profissão, sem dúvida nenhuma, passou a ser pai. Pai em período integral. Durante um tempo tive pesadelos em que eu entregava Luísa aos cuidadores. Pensar nela caminhando para a escolinha com a mochilinha nas costas, rindo sem olhar para trás então, me fazia encher os olhos de lágrimas.
E essa hora chegou, querendo eu ou não. Muitas vezes pensei no quanto eu estava sendo egoísta. Que estava fazendo um dramalhão olhando baseando apenas no meu pseudo-sofrimento, na minha insegurança e angústia e não no pleno desenvolvimento dela. Sabia que eu estava errado e superdimensionando essa “separação”. Não havia tantos motivos para sofrer assim.
Luísa cresceu, estava com pouco mais de dois anos e três meses, já tinha dez dentes, cabelos cada vez mais encaracolados e os mesmos imensos olhos de jaboticaba do dia que a conheci em um abrigo.
Estava curiosa. Animada. E eu, assustado.
_ É a hora de entregar o meu bebê para o mundo – pensava.
Tentei fazer o meu máximo. Aprendi e aprendo todos os dias com ela. Adotei novas rotinas, novos hábitos alimentares e até uma maneira diferente de ver e tentar entender a vida.
Mesmo relutante, deixei Luísa com as professoras. Era o período de adaptação e ela permaneceria apenas duas horas na creche ( eram só duas horas !!!!!!!)
Naquele primeiro dia, não fui embora. Luísa sempre pedia pelo meu colo, muitas vezes deixava até a mãe chateada por só querer a minha presença. Tinha certeza de que, diante de estranhos, chamaria por mim em alguns poucos minutos. Segui até o carro, em seguida dei uma volta pelo bairro e fiquei esperando por uma ligação da escola.
Luísa, que teve um início de vida tão dramático e cheio de sofrimento, já tinha descoberto que viver é legal demais. Estava definitivamente pronta para ir à creche.
O pai é que ainda não estava pronto para isso.
O primeiro dia foi de muita diversão e a tal ligação não ocorreu.
“Acorde papai, acorde…
Sua filha cresceu”
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